Por Carolina Mestriner

Em 2019, a UNESCO definiu um dia do ano para promover o desenvolvimento, a difusão e a promoção da arte, incluindo aí a valorização da educação artística nas escolas. O dia escolhido foi 15 de abril.

Talvez possamos começar nossa participação nessa campanha fazendo a mãe de todas as perguntas: o que é arte? E sugerir um experimento reflexivo a respeito do tema, a partir de sua reprodução em sites de busca e nos recentes sistemas de IA, como o chat GPT, por exemplo. Um número infinito de resultados surgirá em sua tela, e pode surpreender pela variedade. Podemos montar um quebra-cabeça, coletando as diferentes definições, exemplos e visões sobre o fazer artístico, como se fossem as peças soltas que nos levam a uma imagem mais definida e complexa. Vejamos:

Arte – do latim Ars – habilidade ou técnica.

Arte é expressão da subjetividade humana.

Arte é imitação da realidade.

A arte é uma linguagem universal.

A arte é resultado da criatividade humana.

Por fim, a arte é algo fluido e não é possível oferecer uma definição pronta e acabada.

Chegamos então a, pelo menos, uma resposta inequívoca diante de tantas possibilidades: estamos lidando com um conceito polissêmico, que percorreu um longo caminho na prática humana e no pensamento que se desenvolveu sobre ele ao longo da história, mudando de tempos em tempos de acordo com a cultura, a religião, as mudanças políticas e sociais.

A arte, como tudo, possui sua própria cronologia, segundo o que se ensina nas escolas e nos livros. Ela nasce na pré-história, com as pinturas rupestres. Para os estudiosos, esses registros feitos em cavernas e paredões rochosos, possuem uma dimensão estética porque se observa ali a “habilidade manual e o poder de abstração que levaram o homem a usar recursos técnicos e operativos” na sua produção. Não importa com que objetivo eles tenham sido feitos (lembram-se das definições? expressão da subjetividade, imitação da realidade, criatividade), isso é arte. No Brasil, essas pinturas podem ser vistas no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e no Sítio Arqueológico Pedra Pintada, ambos em Minas Gerais, no Parque Arqueológico do Solstício, no Amapá, entre outros lugares já conhecidos ou ainda por descobrir.

Dando um salto no tempo, chegamos aos chineses da Dinastia Zhou (1146-256 a. C.) e sua visão sobre a arte, ou melhor, as seis artes a serem aprendidas, praticadas e protegidas naquela sociedade: arco e flecha, cavalgada, escrita, música, arte militar e cerimônias rituais. Eram essas habilidades que futuros líderes aprendiam nas escolas aristocráticas do período. Enquanto isso, no Ocidente, o filósofo grego Platão (428-347 a. C.) tinha sua própria visão sobre a educação ideal na Grécia Antiga. Apresentada na obra “A República”, ela se baseava na arte, e também foi dividida em seis categorias: música, poesia, dança, pintura, escultura e arquitetura. A essas expressões associou a ideia de beleza, tornando-a um valor essencial da arte. Esse ideal alcançou seu auge durante o Renascimento (séc. XV), graças ao talento e aos esforços de artistas como Leonardo da Vinci, Rafael, Michelangelo e outros, e ainda tem raízes muito fortes em nosso olhar. 

Depois, como era de se esperar, a arte passou por novas transformações, movimentos, revoluções. Expandiu-se das Igrejas para os Museus e Galerias de Arte. Desenvolveram-se novas técnicas, gêneros e gostos. O século XX popularizou a fotografia e o cinema, que ganhou status de arte, conforme proposto em 1911 no Manifesto das Sete Artes, do italiano Ricciotto Canudo (1877-1923), considerado o primeiro teórico da jovem arte cinematográfica. Platão concordaria com essa intromissão em sua lista? Jamais saberemos, mas quem gosta de cinema certamente o vê como arte, enquanto os puristas podem considerá-lo apenas um entretenimento popular inferior se comparado a uma pintura ou escultura. 

Chegamos aos dias de hoje tentando decifrar a arte contemporânea, se surpreendendo com a arte urbana, vista das janelas dos ônibus e carros, descobrindo um forte movimento de arte negra e indígena, seja na literatura, na música ou nas artes visuais. É a arte se transformando junto com a sociedade. A expressão da subjetividade humana diante da crise ecológica e sanitária, das novas tecnologias, da desigualdade, mas também de temas atemporais como o amor, a finitude da vida e a espiritualidade.

Que o Dia Mundial da Arte nos ajude a (re)conhecer suas qualidades e os efeitos positivos sobre aqueles que conseguem travar alguma relação com ela, em qualquer fase da vida. Todas as pessoas deveriam ter a oportunidade de aprender e desenvolver habilidades artísticas, encontrar sua linguagem, seu canal de expressão. Gestores ligados à educação e à cultura sabem disso, sabem das potencialidades do acesso à arte para o desenvolvimento humano.

Um ótimo exemplo de atuação política para a promoção da arte, que vai de encontro aos anseios da UNESCO, é a Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA), no bairro Jabaquara, em São Paulo. Foi fundada em 1980, para oferecer iniciação nas artes a crianças de 5 a 13 anos, por meio de experiências estéticas e processos criativos em Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. Por ser gratuita, as vagas são muito concorridas, mas desde 2022, um plano de expansão prevê quatro novas unidades da escola de artes: na Casa de Cultura da Brasilândia (Zona Norte), na Casa de Cultura de Parelheiros (Zona Sul), no Parque Chácara das Flores (Zona Leste) e Parque Chácara do Jockey (Zona Oeste). Para uma cidade do tamanho de São Paulo ainda é pouco, mas é uma bela iniciativa a ser expandida e replicada por outros municípios e estados.

Fontes:

BUENO, André. Textos de história da China Antiga. Rio de Janeiro: Ebook, 2016.

PREFEITURA DE SÃO PAULO. <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/noticias/?p=31053>

SOBRE A ARTE BRASILEIRA: da pré-história aos anos 1960. São Paulo: Serviço Social do Comércio; WMF Martins Fontes, 2015.

XAVIER, Ismail. Sétima arte: um culto moderno: o idealismo estético e o cinema. São Paulo: Perspectiva, 2017.

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