Sucot é uma das celebrações mais belas do calendário judaico, vivida logo após o Yom Kipur, quando o indivíduo se purifica, é perdoado e inicia um novo ciclo com leveza e alegria; a tradição nos convida a construir a Sucá, cabana de três paredes e cobertura vegetal que deve deixar ver o céu, frágil por princípio e aberta ao tempo, na qual passamos os sete dias da festa realizando as refeições e, sempre que possível, também atividades cotidianas como leitura, estudo e convivência; na diáspora, observa-se ainda um oitavo dia festivo, com estatuto próprio, que se conecta a esse período de intensa espiritualidade. A palavra Sucá significa literalmente cabana e remete às moradas improvisadas do povo de Israel durante a travessia do deserto; a proibição de impermeabilizar totalmente a cobertura e a exigência de que as estrelas permaneçam visíveis não são detalhes técnicos, mas escolhas simbólicas que nos lembram que a segurança não reside em paredes sólidas, e sim no amparo divino que provê vida, saúde e proteção.

Na tradição, a Sucá é compreendida como um abraço de D’us; suas três paredes evocam o braço, o antebraço e a mão que envolvem quem nela entra, gesto de acolhimento que transforma o cotidiano em experiência sagrada; é significativo que a mitsvá da Sucá se cumpra com o corpo inteiro, porque nela comemos, bebemos, conversamos e vivemos, e aquilo que faríamos em casa passa a acontecer nesse espaço ritual efêmero, de modo que gestos simples, como sentar-se à mesa, partilhar o pão, estudar um texto, ganham espessura espiritual e se tornam memória.

Sob a ótica antropológica, Sucot é patrimônio imaterial vivo, transmitido de geração em geração e continuamente ressignificado; a festa reencena uma pedagogia do provisório, em que habitar a fragilidade se torna disciplina de humildade e confiança; a comunidade aceita a exposição ao vento e à chuva, aprende a medir o tempo pelas aberturas do teto, reconhece a interdependência como regra e a providência como horizonte; esse exercício de vulnerabilidade partilhada produz pertencimento, afirma identidade, fortalece laços e atualiza uma memória coletiva que não se guarda apenas em livros, mas em corpos, vozes, sabores e encontros.

Do ponto de vista da museologia, a Sucá pode ser entendida como objeto e espaço de convívio, arquitetura mínima e rito, forma e experiência; ao estarem expostas nas residências e no convívio urbano, como uma exposição a céu aberto, preservam a função simbólica de reunir, acolher e ensinar; a mediação adequada não se limita a explicar medidas, materiais e regras, mas convida o participante a perceber o que a Sucá faz com quem a habita (desde a mudança de escala até o convívio intensificado); práticas de salvaguarda devem valorizar os portadores do saber, respeitar as normativas religiosas, documentar processos e memórias sem esvaziar o sentido sagrado, favorecer ações participativas (refeições comunitárias, leituras, cantos e convívio diário) que devolvam à Sucá sua vocação de lugar vivido.

No presente em que o antissemitismo volta a ferir, Sucot assume também o papel de afirmação e resistência; ao reunir-se sob uma cabana frágil, exposto às intempéries, mas protegido pelo abraço divino que a tradição reconhece, o judeu reafirma sua identidade e pertença coletiva; a Sucá converte-se em abrigo simbólico não contra a chuva e o frio, mas contra a dispersão e a violência do mundo, recordando que a força de um povo não se mede apenas por muros, e sim pelo tecido de solidariedades, pela memória que sustenta, pela fé que consola e convoca.

Assim, Sucot não é apenas uma festa ou uma comemoração histórica; é um dispositivo cultural complexo que articula memória, antropologia e espiritualidade, um rito que, ano após ano, nos ensina a fazer do provisório uma morada, do frágil uma ética, do encontro uma forma de conhecimento; ao erguer uma Sucá e nela viver por alguns dias, atualizamos um patrimônio imaterial milenar e nos colocamos, outra vez, no abraço eterno de D’us. Que o acolhimento da Sucá renove em nós a certeza de que não caminhamos sozinhos, e que a força do abraço de D’us nos faça viver com mais esperança, alegria e união.

Pedro Mastrobuono

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