Por Marcio Pitliuk

Há exatos 80 anos, os soldados do Exército Soviético conheceram o inferno. As cenas vistas nas sangrentas batalhas de Stalingrado, Leningrado ou Kursk, as aldeias destruídas no recuo nazista, não se comparavam com o horror que encontraram no campo nazista da cidade polonesa de Oswiecin, cujo nome em alemão passou a ser conhecido no mundo inteiro: Auschwitz.

A famosa frase de Joseph Conrad no livro Heart of Darkness (O coração das trevas), “o horror, o horror”, em Auschwitz não era obra de ficção. Conforme os soldados adentravam o portão, onde um letreiro de ferro destacava a irônica frase Arbeit macht Frei, “o trabalho liberta”, encontravam pilhas e pilhas de corpos tão magros que era difícil reconhecer se eram de homens, mulheres ou crianças.

Ao observar com mais cuidado, descobriram que alguns ainda respiravam, estavam vivos. Seres humanos com olhos que saltavam do crânio, apenas pele e ossos, tal a magreza. Seres humanos completamente apáticos, amortecidos pelo pavor, fome e frio. A temperatura naquele inverno beirava os 30 graus centígrados negativos e estavam todos nus. Tão desnutridos e fracos que não conseguiam nem derramar lágrimas, estas foram derramadas pelos embrutecidos soldados do Exército Vermelho, que acreditavam que até então, já tinham visto todas as maldades e atrocidades possíveis cometidas pelo Homem durante a guerra contra os nazistas. Nem o melhor autor de livros de terror seria capaz de descrever tais cenas.

Os nazistas levaram os prisioneiros que ainda tinham condições de andar e trabalhar para os campos da Alemanha e Áustria, onde continuariam sendo usados como escravos na desesperada e inútil tentativa de prolongar uma guerra perdida.

Antes da chegada dos soviéticos, os alemães tentaram apagar as provas dos crimes, sabiam que tinham cometido assassinatos em massa. Os nazistas ainda tentaram matar e queimar os últimos sobreviventes, já tinham explodido as câmaras de gás e os fornos crematórios, provas de seus crimes, mas a chegada do exército vermelho foi muito rápida. Imensos barracões tinham escapado do fogo ateado pelos soldados da SS e ao serem abertos, horrorizaram os soldados que libertaram Auschwitz. Milhares de ternos, vestidos e roupas de crianças. Dezenas de milhares de óculos e pares de sapatos. E sete toneladas de cabelos humanos! Cabelos raspados dos vivos e dos mortos, usados para fazer tapetes para as indústrias alemãs e para material térmico de submarinos e assentos de aviões e tanques de guerra. As roupas seriam limpas, reformadas e vendidas para os alemães. Roupas roubadas dos judeus.

Por volta de oito mil prisioneiros foram encontrados com vida, entre eles, quinhentas crianças. Foi uma dificuldade imensa alimentar com cuidado essas pessoas que há semanas nada ingeriam. Mais de mil morreram, pois o estômago não conseguia receber alimentos. Triste ironia, os esfomeados morreram ao comer.

Os alemães transformaram os campos de concentração, trabalho e extermínio no inferno na Terra. No complexo Auschwitz-Birkenau, o assassinato era realizado de maneira industrial, pelo gás, tortura, fome, maus tratos ou trabalho escravo. Um milhão e meio de crianças, homens e mulheres literalmente viraram cinzas nos fornos crematórios. Noventa por cento eram judeus, os outros eram ciganos, prisioneiros políticos e prisioneiros de guerra.

Em 2005, a Organização das Nações Unidas escolheu essa data, 27 de janeiro, para recordar o Dia em Memória das Vítimas do Holocausto, quando seis milhões de judeus e centenas de milhares de ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová e outras minorias foram vítimas do nazismo.

Oitenta anos depois, lamentavelmente vemos o antissemitismo renascer com força. Os mesmos argumentos usados pelos nazistas são repetidos pelos antissemitas que apoiam a destruição de Israel. E os judeus são falsamente acusados dos crimes cometidos pelos nazistas. Oitenta anos depois, descobrimos que a Humanidade não evoluiu.

O antissemitismo é uma doença que se infiltra no sangue de determinadas pessoas e parece não ter cura. A intolerância tem que ser cortada pela raiz. Todos somos iguais.

Marcio Pitliuk é especialista no Holocausto, autor dos livros A alpinista, O homem que venceu Hitler, O engenheiro da morte, curador do Memorial do Holocausto de São Paulo e colaborador da Unibes Cultural.

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