Por Carolina Mestriner

Em 11 de fevereiro, celebra-se o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, uma iniciativa da ONU para reconhecer a importância das cientistas e estimular a participação feminina na pesquisa. A data, instituída em 2015 pela UNESCO e pela ONU Mulheres, reflete uma realidade persistente: apesar dos avanços, as mulheres ainda enfrentam barreiras significativas no acesso à ciência, tanto como pesquisadoras quanto como beneficiárias do conhecimento produzido.

Essas dificuldades não são apenas reflexo de desigualdades históricas, mas também de dinâmicas políticas e culturais do presente que moldam a produção científica e influenciam quais pesquisas recebem incentivo, quais temas são priorizados e quais vozes são legitimadas, impactando diretamente a trajetória das cientistas e o desenvolvimento de estudos fundamentais para as mulheres.

O acesso a financiamento e cargos de liderança ainda é desigual: estudos mostram que mulheres recebem menos recursos para pesquisa do que seus colegas homens, mesmo quando possuem a mesma qualificação. Dados da UNESCO indicam que apenas cerca de 30% dos pesquisadores no mundo são mulheres. Além disso, pesquisas conduzidas por mulheres são frequentemente subestimadas ou rejeitadas em revistas científicas. Um estudo publicado na Nature mostrou que, quando revisores não sabem o gênero do autor, artigos escritos por mulheres têm mais chances de serem aceitos.

Muitas cientistas também relatam enfrentar sexismo em laboratórios e instituições acadêmicas, o que pode levar ao abandono da carreira. Em países onde a liberdade acadêmica é limitada, como Afeganistão e Irã, mulheres enfrentam barreiras extremas para acessar a ciência, seja pela proibição da educação formal ou pela perseguição de acadêmicas.

Embora esse tipo de interferência seja associada a governos autoritários ou a contextos sociais marcados por fortes restrições ideológicas, ele também acontece em países de grande tradição científica. Um exemplo recente vem dos Estados Unidos, onde a Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês) orientou sua equipe a rastrear pesquisas que utilizem termos como “mulheres” e “deficiência”, levantando preocupações sobre possíveis tentativas de censura ou restrição de financiamento a estudos que abordam diversidade e inclusão na ciência (FOLHA, 2025). Esse episódio ilustra como decisões políticas podem influenciar diretamente quais temas científicos são incentivados ou sufocados, independentemente do nível de desenvolvimento econômico do país.

A Negligência da Ciência Voltada para Questões Femininas

Durante décadas, ensaios clínicos foram realizados quase exclusivamente em homens, levando a diagnósticos errados e tratamentos ineficazes para mulheres. Um exemplo é o infarto: os sintomas em mulheres são diferentes dos homens, mas por muito tempo o diagnóstico foi baseado apenas na manifestação masculina da doença. Doenças como endometriose, que afetam milhões de mulheres, recebem muito menos financiamento para pesquisa do que outras condições comparáveis. Além disso, estudos que exploram o impacto das desigualdades de gênero na sociedade frequentemente sofrem resistência, sendo taxados como “militância” e não como ciência legítima. Apensar das barreiras, temos quem celebrar.

As precursoras:

Marie Curie (1867-1934) – Física e química, pioneira na radioatividade

Foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel e a única pessoa a receber o prêmio em duas áreas diferentes (Física e Química). Suas descobertas sobre radioatividade foram essenciais para o desenvolvimento da física moderna e da medicina.

Bertha Lutz (1894-1976) – Pioneira na ciência e no feminismo

Bióloga, pesquisadora do Museu Nacional e uma das principais líderes do movimento sufragista no Brasil, Bertha Lutz dedicou-se ao estudo de anfíbios e à luta pelos direitos das mulheres na ciência e na sociedade. Sua atuação política foi fundamental para a inclusão da igualdade de direitos na Constituição de 1934.

Nise da Silveira (1905-1999) – Psiquiatria humanizada

Pioneira na humanização da psiquiatria no Brasil, Nise da Silveira revolucionou o tratamento de pessoas com transtornos mentais, rejeitando práticas agressivas como eletrochoques e lobotomias. Seu trabalho abriu espaço para novas abordagens terapêuticas na saúde mental.

Rosalind Franklin (1920-1958) – Estrutura do DNA

Química e cristalógrafa britânica, sua pesquisa foi fundamental para a descoberta da estrutura do DNA. Apesar disso, seu trabalho foi subestimado e o reconhecimento pelo avanço científico foi atribuído majoritariamente a James Watson e Francis Crick.

Carolina Martuscelli Bori (1924-2004) – Psicologia e ciência no Brasil

Psicóloga e pesquisadora, foi uma das principais responsáveis pela institucionalização da psicologia como ciência e profissão no Brasil. Defendeu a importância da ciência no desenvolvimento do país e foi a primeira mulher a presidir a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Tu Youyou (1930-) – Medicina e descoberta da artemisinina

Cientista chinesa responsável pela descoberta da artemisinina, um tratamento revolucionário contra a malária. Seu trabalho, baseado na medicina tradicional chinesa, foi reconhecido com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2015.

As mulheres cientistas hoje:

Ester Sabino – Genética e vigilância epidemiológica

A médica e pesquisadora Ester Sabino, da Universidade de São Paulo (USP), foi uma das responsáveis pelo sequenciamento do genoma do SARS-CoV-2 no Brasil, feito em tempo recorde (apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso). Esse avanço foi essencial para monitorar a evolução do vírus e planejar estratégias de contenção. No entanto, a falta de investimentos contínuos dificultou a ampliação desse tipo de pesquisa no país.

Jaqueline Goes de Jesus – Virologia e vigilância genômica

A biomédica Jaqueline Goes de Jesus também teve papel fundamental no sequenciamento do coronavírus no Brasil. Durante a pandemia, ela trabalhou no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP), integrando a equipe do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE). Seu trabalho ajudou a rastrear variantes do vírus e entender sua disseminação. Mesmo com sua contribuição crucial, a desvalorização da ciência no Brasil dificultou o acesso a recursos para pesquisa e reconhecimento da importância desse tipo de estudo.

Margareth Dalcolmo – Pneumologia e saúde pública

Médica e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo tornou-se uma das principais vozes científicas durante a pandemia, defendendo medidas de proteção e a importância da vacinação. No entanto, como outras cientistas, enfrentou ataques e descredibilização por setores que negavam a gravidade da pandemia.

Luciana Leite – Desenvolvimento de vacinas

A imunologista Luciana Leite, do Instituto Butantan, esteve envolvida nas pesquisas para o desenvolvimento da CoronaVac no Brasil. A vacina enfrentou resistências políticas e desinformação, dificultando sua aceitação inicial, apesar das evidências científicas que comprovaram sua eficácia.

Patrícia Rocco – Pesquisa pulmonar e tratamento da COVID-19

Pesquisadora da UFRJ, Patrícia Rocco coordenou estudos sobre o impacto do vírus nos pulmões e possíveis tratamentos para a doença. Como muitas cientistas no Brasil, teve dificuldades com financiamento e burocracias impostas ao desenvolvimento da pesquisa durante a crise sanitária.

Mayana Zatz – Genética e pesquisas sobre doenças neuromusculares

Geneticista e professora da USP, Mayana Zatz é referência mundial no estudo de doenças genéticas, principalmente distrofias musculares. Seu trabalho também foi essencial para pesquisas sobre células-tronco e o impacto da genética em doenças raras.

Sonia Guimarães – Física e combate ao racismo na ciência

Primeira mulher negra a se tornar professora no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Sonia Guimarães é uma referência na física brasileira. Além de suas pesquisas na área de semicondutores, atua no combate à desigualdade racial e de gênero na ciência. A história da ciência está repleta de mulheres que fizeram descobertas fundamentais, mas cuja contribuição foi, muitas vezes, ignorada ou subestimada. Hoje, apesar dos avanços, a política e a cultura ainda influenciam diretamente o espaço que as cientistas ocupam e os temas que recebem investimento. Obstáculos como censura ideológica, falta de financiamento e negligência em pesquisas voltadas à saúde e ao bem-estar feminino continuam a afetar o progresso científico. No entanto, reconhecer essas desigualdades e agir para corrigi-las é essencial para construir um futuro onde a ciência seja verdadeiramente plural e democrática. Proteger e valorizar a presença feminina na pesquisa não beneficia apenas as mulheres, mas fortalece toda a sociedade, garantindo que o conhecimento produzido atenda a todos de forma justa e abrangente.

FONTES:

BRITISH COUNCIL. Uma equação desequilibrada: participação crescente de mulheres em STEM na América Latina e Caribe. 2021. Disponível em: https://www.britishcouncil.org.br/mulheres-na-ciencia/relatorio-unesco-america-latina.

EXAME. Mulheres na ciência: como romper barreiras e construir oportunidades. 2025. Disponível em: https://exame.com/carreira/mulheres-na-ciencia-como-romper-barreiras-e-construir-oportunidades/.

FAPESP. Para combater viés de gênero na avaliação por pares. Revista Pesquisa FAPESP, 2022. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/para-combater-vies-de-genero-na-avaliacao-por-pares/.

FOLHA DE S. PAULO. Fundação de ciência dos EUA orienta equipe a rastrear pesquisas com termos como mulheres e deficiência. 2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/02/fundacao-de-ciencia-dos-eua-orienta-equipe-a-rastrear-pesquisas-com-termos-como-mulheres-e-deficiencia.shtml.

JORNAL DA UNESP. A ciência precisa de mais mulheres. 2023. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2023/02/11/a-ciencia-precisa-de-mais-mulheres/.

NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL. O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência em números: qual é a situação das cientistas hoje. 2024. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2024/02/o-dia-internacional-das-mulheres-e-meninas-na-ciencia-em-numeros-qual-e-a-situacao-das-cientistas-hoje.

REVISTA PESQUISA FAPESP. A charada do desequilíbrio de gênero na ciência. 2022. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/a-charada-do-desequilibrio-de-genero-na-ciencia/.

UNESCO. Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). 2018. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000264691.

UNESCO. Mulheres são apenas 28% das pesquisadoras em todo o mundo. 2015. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/72191-unesco-mulheres-s%C3%A3o-apenas-28-das-pesquisadoras-em-todo-o-mundo.  

UNESCO. O mundo precisa da ciência e a ciência precisa das mulheres. 2017. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/75714-unesco-o-mundo-precisa-da-ci%C3%AAncia-e-ci%C3%AAncia-precisa-das-mulheres.

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