Por Carolina Mestriner
Há 30 anos, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, criou uma data para celebrar e refletir sobre um direito permanentemente sob risco: a liberdade de imprensa. Além disso, a cada ano a celebração é dedicada a um tema específico e sensível no momento presente. Em 2023 o tema associa o trabalho do jornalismo diretamente aos direitos humanos: “Moldando um futuro de direitos: liberdade de expressão como um motor para todos os outros direitos humanos”. Para a Unesco, um jornalismo livre é imprescindível para a construção das democracias, além de vital para alcançarmos o Objetivo 16 de Desenvolvimento Sustentável: Promover sociedades pacíficas e inclusivas, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
Durante os últimos anos o mundo todo percebeu um aumento no ataque ao trabalho da imprensa, situação típica de lugares onde a democracia está em risco, passando por abalos autoritários e perdas de direitos. No Brasil, o governo de Jair Bolsonaro sequestrou o direito à “liberdade de expressão” em nome da difusão de fake news e do discurso de ódio contra diversos temas, minorias, incluindo aí os jornalistas e a imprensa. Repórteres que trabalham diariamente nas ruas do país começaram a ser agredidos verbal e fisicamente, em resposta direta ao comportamento do presidente da república e de políticos de sua base.
No Brasil, existem algumas entidades de classe como a Associação Brasileira dos Jornalistas, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e Associação Brasileira de Imprensa, que se dedicam a garantir não só os direitos e a segurança dos profissionais da área, mas também um direito universal, importante a todos nós, que é a liberdade de imprensa. O monitoramento da violência contra jornalistas e órgãos de imprensa tem sido feito pela rede Voces del Sul, em conjunto com entidades sediadas em 15 países da América do Sul e Central, como Brasil (Abraji), México, Cuba, Nicarágua, Argentina, entre outros.
Outra ameaça à liberdade de imprensa, que tem sido muito utilizada nos últimos anos, é o assédio jurídico. Muitos jornalistas, principalmente independentes, são processados por suas matérias envolvendo denúncias a pessoas ligadas ao poder político e econômico e não possuem recursos para suas defesas. Segundo o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ), “esses ataques legais assumem muitas formas, incluindo censura direta e remoção de conteúdo através de ações civis, criminalização de jornalistas por meio de investigações de calúnia e difamação e procedimentos judiciais e tentativas de prejudicar ou comprometer a confidencialidade da fonte”.
A sociedade civil tem feito alguns movimentos para combater esse tipo de ameaça. Em 2021, o youtuber Felipe Neto criou um grupo de assessoria jurídica junto a quatro escritórios de advocacia para defender cidadãos vítimas de processos e abuso de poder de autoridades ligadas ao governo. O movimento recebeu o nome de Cala a boca já morreu, inspirado pelo dito popular “Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu!”, muito comum entre as crianças. A Abraji criou o Programa de Proteção Legal para Jornalistas; o CPJ elaborou um guia com os diversos programas de assistência jurídica a jornalistas espalhados pelo Brasil. Um dos mais recentes, criado em 2022 em São Paulo, é o Tornavoz, da advogada Taís Gasparian. Em entrevista ao jornalista Sinval de Itacarambi Leão, da revista Imprensa, Taís revela que o instituto surgiu “para dar voz aos ‘sem advogados’, ou seja, aos cidadãos jornalistas ou não, acusados e processados por crimes de opinião, calúnia e injúria e sem condição de remunerar seu defensor”. Como se sabe, a democracia e os direitos humanos dependem de transparência e vigilância permanente não só da imprensa, mas de toda a sociedade civil. Sigamos vigilantes.
Fontes: ABRAJI, ABI, ABJ, CPJ e revista IMPRENSA (maio/junho 2022, Ano 35, Nº 348)