Idadismo é o mais universal dos preconceitos e o menos percebido e debatido. Discuti-lo é necessário para crescermos como sociedade e aproveitarmos o bônus da longevidade.
Vivemos em uma sociedade multi-geracional. Em nenhum momento da história humana tantas gerações puderam conviver: bisavós, avós, pais, filhos, netos e bisnetos. Uma oportunidade única para aprendermos com experiências vividas, para ouvirmos histórias de nossos antepassados e de entendermos as nossas raízes e o que nos possibilitou existir. Entender quem somos e de onde viemos nos ajuda a saber o que queremos ser, quais são os nossos valores e a importância das relações nas nossas vidas. Existimos dentro de um meio onde as trocas, normas de ética, solidariedade e respeito são fundamentais. E por que respeitarmos o outro, aceitarmos as diferenças e os direitos de todos e sermos empáticos é tão raro?
Em 1969, Robert Butler, geriatra norte-americano, criou o termo ageism, ao presenciar movimentos contra pessoas idosas, muito similares às manifestações de racismo e sexismo. Esse termo, apesar de estar estabelecido em todo o mundo gerontológico, continua ainda muito pouco conhecido do mundo leigo. No Brasil, diferentemente de países de língua inglesa, ainda não existe uma denominação única. Alguns usam a palavra ageísmo, outros etarismo, velhismo, idosismo. Pela correspondência com o termo originalmente criado: age-idade + ism-ageism, alguns preferem a palavra idade+ ismo-idadismo. Até mesmo profissionais e estudantes da área de saúde desconhecem a palavra. Esse é um dos motivos que fazem com que pouco se discuta sobre esse que, segundo originalmente definido por Butler, seria o ato de discriminar ou criar estereótipos, em geral negativos, para uma pessoa ou grupo de pessoas baseado em sua idade cronológica. Essa definição foi trabalhada e ampliada ao longo dos anos e acrescentou-se estereótipos positivos; preconceitos implícitos; perceber o outro como velho e contexto pessoal e institucional e não somente o interpessoal.

Apesar de pouco discutido e conhecido, a prática do idadismo está difundida em nossa sociedade. Pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde, em 2016, e que fundamentou uma campanha mundial de combate ao idadismo, em 2017, mostrou que 60% dos 83.000 idosos de 57 países, disseram se sentir desvalorizados. Esses dados foram respaldados por outros estudos que mostraram que 80-90% dos idosos norte-americanos e canadenses disseram ter sido vítimas do idadismo.
No Brasil, pesquisa realizada pela Datafolha, em 2017, citou que de cada 10 pessoas, 9 acreditavam existir o preconceito pela idade. Em 2020, pesquisa feita pela Universidade de Michigan mostrou que mais de 80% das pessoas idosas sofreram atitudes de idadismo, uma ou mais vezes ao dia. Mas o idadismo está inserido em nossa sociedade há séculos e não somente a partir da sua definição em 1969.
No período neolítico, indivíduos idosos que perdessem a sua capacidade produtiva eram abandonados pelas tribos. Com o estabelecimento da agricultura e criação de maiores coletividades, somente os idosos que detinham o conhecimento dos astros e curandeiros eram valorizados. Mesmo em democracias como grega e romana, idosos eram aceitos se detivessem o poder econômico ou político e na dependência dos interesses pessoais e da sociedade como um todo. E, em momentos da nossa história em que a força física foi mais valorizada como na época feudal, para defesa da terra, e na revolução industrial para a produção em massa, os idosos foram ainda mais desvalorizados.
Essa desvalorização era manifestada não somente pela exclusão social, abandono pelos familiares, incluindo os filhos, mas também nas obras literárias e nas peças. O idoso era sempre retratado, opostamente ao jovem, como ranzinza, avaro, egoísta. E as mulheres idosas como alcoviteiras, feias e rabugentas. E essas imagens perduram até os nossos dias e fomentam a divisão intergeracional. A criação da palavra impressa por Gutenberg, revolução da imprensa, e mais recentemente a revolução digital, fizeram com que o idoso deixasse de ser visto como depositário do conhecimento e assim a sua importância na sociedade, que já era pouca, diminuiu ainda mais.
Nossas sociedades têm evoluído. O século XX caracterizou-se por um aumento de expectativa de vida de 20-30 anos para a maioria da população. Essa é considerada a maior conquista social, cultural e de saúde do século. Entretanto, segundo Butler, continuamos embebidos nesse preconceito manifestado por comportamentos de desvalorizar e criar estereótipos negativos que só fazem diminuir a complexidade e riqueza do envelhecimento. Preconceito que afeta a todos, independente da cor, sexo, orientação sexual e classe social. E o mais pernicioso, por ser contra o nosso próprio futuro. Se quisermos como sociedade aproveitar o bônus da longevidade, temos que oferecer oportunidades de inclusão, valorização e crescimento ao longo do curso de vida, para termos uma população idosa produtiva, participativa, saudável e independente.