A voz de nosso tempo
A música a tirou da depressão a colocou entre os nomes de destaque da nova MPB.
Descubra Grazi Nervegna, sua história e seu canto





Em uma usual mesa no térreo da Unibes Cultural, a única que pudemos encontrar livre, ela apoia seus braços e recupera, entre uma pausa e outra na voz, histórias.
Fazia 16° C, e a equipe técnica ia para lá e para cá, preparando eventos. Receava que nossa conversa, a primeira que tivemos, se ofuscasse na temperatura nada agradável e na correria da casa.
Errei feio. Na conversa que tivemos, ela cavou suas memórias, derramou risos e me contou a história de alguém que se redescobriu graças à música.
UMA .
onde tudo começa
Nascida em São Paulo em 1980, Nervegna é filha de um italiano com uma baiana. Cresceu em Santo Amaro – bairro da zona sul da capital paulista – em uma típica e moralista família católica dos meados de 1950.
– Caetano? Nem pensar! Aquele moço que faz capas de discos depravadas, não! Você não vai ouvir.
Em casa, os ‘bons costumes’ proibiam Nervegna de apreciar clássicos da MPB, como Chico, Elis. Na playlist de sua juventude, apenas a música italiana tinha vez.
Os ensinamentos religiosos e morais de sua família eram verdadeiros tabus, e Grazi seguia-os à risca, dócil que era.
Eu era tímida de tal forma que não levantava da cadeira nem para pedir à professora para ir ao banheiro

Nervegna viveu em uma “formação conservadora”, como ela mesma define.
Cresceu sabendo que ia casar ter filhos como toda mulher e ser uma boa dona de casa como toda mulher e viver uma vida infinitamente circular como toda mulher.
– Cantora e compositora? Eu, jamais!
Eis o que a hoje artista responde quando questionada sobre o que ela, nos idos de 1990, imaginava que ia se ser. Tornar-se artista seria, para ela, algo como fazer o papel de um trem que sai dos trilhos.
Em 2001, casa-se com o jornalista Ricardo Zanini, com quem teve quatro filhos e uma vida pacata.
Iam todos os domingos à missa. Se amavam. Ao brincar com os pequenos, cozinhar e cuidar da casa, Grazi sentia seu futuro como uma brisa em seu rosto. Porém, sabe aquela frase famosa?
No mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade
Pois bem.
Ela se aplica ao caso Grazi Nervegna.
A .
A partir de 2012, a relação com Zanini se estremece. Nervegna se dá conta: em sua terceira década de vida, “eu só era dona de casa e mãe naquele modelo mais abusivo possível”.
“Já não aguentava mais meu modelo de vida. Era o casamento que não estava bem, e eu vivia um conflito muito grande. Eu, católica, tinha ‘casado para sempre’, mas queria me divorciar e isso era como viver em pecado; então, eu vivia com essa sombra”. Depressão.
Em maio daquele ano, em crise depressiva, Nervegna está em sua casa, sozinha. Liga o som e toca ‘Desafio’, de Consuelo de Paula, renomada cantora e compositora.
Ao ouvir a faixa, o que daí se seguiu não foi um simples choro. Foi uma verdadeira catarse. “Mexeu muito comigo”, conta.
Entrar na depressão é, atualmente, algo relativamente normal. Afinal, a doença que atinge 300 milhões no planeta. Difícil é sair dela. Nervegna conseguiu. Graças à música.

As músicas de Consuelo sopraram na alma de Nervegna, e ela saiu à procura da renomada artista mineira para lhe dizer: queria tornar-se cantora.
Ainda em 2012, Grazi e Consuelo se encontram em um café, o primeiro de muitos, aquele que selaria a amizade e parceria entre as duas. “Eu vi ali um talento”, conta a musicista mineira.
Desde de então, Grazi frequentou diversas vezes a casa de Consuelo, tomou aulas e treinos. “Fui provocando, mostrando outros mundos, estimulando-a a compor, reforçando a parte técnica”, relembra Consuelo.
Consuelo a incitava constantemente a criar. “Eu não sei compor, eu não sei compor”, resistia Grazi, absorta em sua timidez.
Porém, em um bosque no Parque do Ibirapuera, “começaram a vir imagens da minha infância em Monte Verde”. E foi ali, naturalmente, que Grazi, uma paulistana nata, descobriu sua maior fonte de inspiração: a natureza.
UMA OBRA .
A verdade é que, se analisar as músicas da jovem cantora e compositora, você verá que suas letras estão permeadas de referências a rios, bosques e outros elementos naturais.
No vídeo, você confere a sonoridade de Grazi Nervegna, em show que ela fez na Unibes Cultural, no fim de agosto de 2019. Escute e descubra a sonoridade nervegniana.
Gravado em Campinas, no estúdio do músico João Arruda, ‘Anambé’ é um álbum polissêmico já nome. Pode significar um pássaro. Pode significar um povo indígena localizado atualmente no Pará. Mas pode também significar “aqueles que caminham em parceria e permanecem unidos”.
A obra atinge “momentos de transcendência”, avalia Consuelo. “É um voo que a voz de Grazi Nervegna faz ao som da viola e das flautas feitas com tubos rústicos. Um voo ora rasante e rascante, ora amplo e lírico”, completa.
“A estreante em disco Grazi Nervegna chega pronta, com personalidade própria, uma grande capacidade de interpretação e plena noção do universo por onde caminha e deseja prosseguir”, pontua o jornalista e músico Julinho Bittencourt.
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No início de setembro, Nervegna realizou show na Unibes Cultural. Foi um momento épico em sua carreira, daqueles em que ela sentiu estar no caminho certo ao dar vida a arranjos e composições maduros e cativantes.
Não perguntei a Grazi o que ela planeja de sua carreira agora que tem uma obra e uma voz. E não o fiz propositalmente. Por que afinal? Está na cara, está na alma, está na voz. “Aí está a razão da minha vida”, finalizou ela, com um sorriso meigo e tímido.
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